terça-feira, 6 de outubro de 2009
Aquele homem
Imagem da net
O dia aproximava-se do fim.
Como habitualmente faço, fui caminhar um pouco, pois continuo a acreditar que o caminhar é um dos melhores exercícios físicos.
Convidei o meu filho Zé e ele acompanhou-me.
Fomos andando e conversando pois ambos apreciamos conversar.
Quando demos por nós, estávamos a chegar á estação de Mira-Sintra - Meleças.
Há ali um espaço excelente para caminhar, pois há largas faixas de rodagem com reduzido movimento, vários passeios, jardins, a Ribeira das Jardas e um belíssimo pinhal de centenários pinheiros mansos.
Ao caminharmos por um passeio no meio daquele espaço, apercebi-me da presença de um vulto, sentado de costas para nós, num murinho separador da faixa de rodagem mais á direita, que é a faixa mais usada por onde os carros entram e saem da estação.
Reparei nele e chamei a atenção do Zé, pelo simples facto de que vamos ali vezes sem conta e nunca vimos ninguém ali sentado.
Continuámos a andar até lá ao fundo e voltámos para trás.
Verificámos que o vulto permanecia imóvel no mesmo lugar.
Eu fiquei um pouco perplexa pois estava mesmo quase a anoitecer e tornava-se perigoso alguem estar ali naquele lugar á noite, pois a partir tde uma certa hora a estação e todo aquele espaço torna-se deserto e isolado.
Pensei: eu não posso ir-me embora sem ver o que se passa, pois poderá ser alguém que precise de ajuda.
O Zé ficou ali parado, e eu, suavemente, aproximei-me da pessoa em questão.Cheguei por trás dela e disse-lhe: Boa noite.
Ele não reagiu.
Disse-lhe novamente: Boa noite.
Ele então volveu a cabeça para o meu lado e olhou-me fixamente, sem proferir uma palavra.
Quando vi o seu rosto foi um choque terrível. Ele tinha a cara com várias feridas que sangravam, os lábios com golpes profundos que sangravam tambem, e um tumor negro na face direita, que lhe repuxava a pele e lhe dava um aspecto muito estranho.
Procurei conter -me e parecer o mais natural possível e disse-lhe:
Olhe que está quase a anoitecer e é melhor o senhor ir andando, porque rápidamente vai ficar escuro e o senhor não pode ficar aqui sòsinho neste lugar isolado.
Ele continuou a olhar-me, com um olhar profundamente triste, levou as mãos ao rosto e quando as retirou reparou que elas tinham sangue e isso deixou-o perturbado.
Sem dizer palavra, apoiou a testa nas mãos e assim ficou.
Eu voltei a dizer-lhe que estava a anoitecer e que ele não podia ficar ali. Voltou a fixar-me.
Eu perguntei-lhe: o senhor precisa de ajuda? Onde é que mora?
E ele disse qualquer coisa imperceptível, pois a sua voz era tão débil e o seu corpo estava tão magro e tão frágil, que depressa percebi que a voz seria assim mesmo.
Vestia um blusão de bombazina(num dia de muito calor) e as calças tinham lustro de tanta sugidade.
Mas o Homem tinha um ar fino, nobre, distinto.
Os poucos cabelos grisalhos que tinha estavam penteados, mas muito sujos.
Como ele não tomava uma decisão, eu pensei:
se ele se mantiver aqui eu telefono para a policia para o virem buscar e levar para algum lugar, não sei qual.
Mas, enquanto eu pensava isto, ele muito devagarinho levantou-se, pegou nos dois sacos de plástico, que pareciam pesados, que tinha ao lado, e começou a caminhar no sentido da saída da estação, ou seja, dirijiu-se para os lados da Tala.
Não voltou a olhar-me.
Quando se levantou perguntei-lhe novamente se precisava de ajuda, mas ele nada disse.
Eu fiquei ali parada, longo tempo, a vê-lo caminhar e a segui-lo com o olhar.
Não ia por o passeio, mas por a beirinha da faixa de rodagem, sempre a direito; e lá foi sem nunca olhar para trás, até eu o perder de vista.
O Zé, ali ao lado, assistiu a tudo isto, sem palavras. Vi que estava impressionado.
Impressionada e muito triste, tambem eu fiquei.
Não me sentia muito bem por não o ter acompanhado, e dise isso ao Zé, mas ele disse-me que eu deveria respeitar aquele homem, pois nada sabíamos a seu respeito.
Eu pensei que poderia muito bem ser uma daquelas pessoas das quais se escreve no jornal: "Desapareceu da sua residência..."
O Zè lembrou-me que talvez fosse isso sim, mas que talvez ele desaparecesse de casa por opção própria, por escolha, por ter talvez uma família que não o amasse e o aceitasse. Quem sabe?
Cá para mim, confesso que não fiquei de bem com a minha consciência, pois sinto que o deveria ter acompanhado sim, e ver onde morava, e se precisava de algum apoio ou alguma orientação médica ou social.
Não o quis fazer para não me intrometer na vida, e privacidade, e direitos dele.
Mas será que fiz bem?
Em casa orei por ele, e chorei, chorei muito, porque creio que nenhum ser humano, em nenhum lugar do mundo, deve viver na situação que aquele homem vive.
Está errado. Profundamente errado.
Para os bens materiais,
ResponderEliminarHá lojas para se comprar.
Mas não há lojas que possam
Amizades ofertar...
E nas horas de incerteza,
Com quem podemos contar?
Nenhum bem material
Seja qual for o perigo,
Jamais terá o valor
De um sincero ombro amigo...
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Viviana querida confesso que fiquei arrepiada e ao mesmo tempo ainda tenho um nó na garganta depois de ler este seu post.
Mexeu comigo.
Quantas vezes não passamos por pessoas que estão a sofrer por dentro e por fora e nem olhamos para elas.
Quem sabe um dia o que elas foram? Talvez gente com dinheiro, importantes, letrados, enfim... Mas quando os vimos na rua assim como a Viviana o viu nem olhamos... passamos depressa... se for caso disso até passamos para o outro passeio e a Viviana teve o dom de trocar mesmo que poucas palavras, com esse homem.
Viviana querida você é mesmo uma pessoa muito especial!
Que Deus a continue a abençoar.
Fique na Paz...
Fique com Deus!!
Anita (amor fraternal)
Olá Viviana
ResponderEliminarpois nem sei o que dizer, são situações que no imediato nem nos deixam "sabemos" reflectir, e como actuar.
A Viviana pelo menos fez com que ele abandona-se o local, que apesar de muito bonito, como descreve, é um pouco isolado.
Ao ler o post fui mentalmente passeando por ele, só não apanhei amoras como quando caminhamos por aí as duas :)
Viviana, fique calma, olhe esse coraçãozinho.
desejo-vos uma tarde "por aqui chuvosa" tranquila e cheia de paz
beijos de amizade.
Abraço carinhoso!
ResponderEliminarPriscila Lima
Querida Anita
ResponderEliminarObrigada boa amiga por estas palavras belas que me ofertou.
Um abraço carinhoso
Viviana
Querida Rosa
ResponderEliminarÈ verdade, boa amiga.
Belas recordações do nosso passeio por aquela zona!
Ainda por lá restam amoras ...mas estão secas.
Obrigada pelo seu cuidado com o meu coração.
Vou tentando cuidar dele protegendo-o
um beijo
viviana
Olá Priscila querida
ResponderEliminarSabe que tenho uma nora muuito querida que tem o seu nome!?
Acho-o lindo.
Obrigada por a visita
beijos
viviana
Olá Viviana!
ResponderEliminarInfelizmente é com alguma regularidade que assistimos a casos semelhantes relatados pela Amiga Viviana!
Pessoas que sofrem no silêncio da sua mente, bem como uma nova "classe social" que surge, mesmo nos países mais desenvolvidos, que é a "Pobreza Envergonhada"!
"Aquele Homem" será mais um que as Entidades Oficiais, contam como um número? Provavelmente!
Um Abraço amigo,
Renato
Viviana,
ResponderEliminarés uma grande pessoa. Mas podes crer, que ao falar e insistir com aquele homem, já o fizeste muito feliz, e o Pai, dos céus te abencoou.
beijo querida.