sexta-feira, 8 de julho de 2011

A MULHER A DIAS - um poema de Fernando Guedes


Fonte da Imagem: http://www.google.pt/imgres

Ah, ter por mulher a dias
a Esperança!
Confortável e sentado no cadeirão de orelhas
- tépida manhã de primavera ou nevoeiro -
dar, em frases curtas,
as ordens muito minhas, para a semana inteira...

Todos os dias, Esperança,
colherá no jardim,
antes que o sol seque o orvalho,
uma rosa para eu pôr na botoeira.

Todos os dias, Esperança,
passará pelo mar,
antes da maré cheia.
Quero um búzio ou concha,
que me traga ao ouvido
o eco de moribundo em naufrágio
(sabe, mulher, a vida é tão monótona!...

Todos os dias, melhor,
á tarde e de manhã,
irá buscar na rua algum pedinte,
dos que tudo perderam num amor impossível,
dos que nem sabem já que seja ter
ás nossas ordens,ás nossas ordens só,
uma mulher a dias, Esperança.

Cumprirá suas ordens,
como se fossem minhas
durante meia hora.

Eu, assisto só
bem instalado no fumo do cachimbo.

Dar-lhes de comer
não vale a pena,
mas podem passear pelo jardim.

E á noite, ao lusco-fusco,
venha fechar a janela do meu quarto.
Aqui, basta uma vela,
mas daquelas
que as velhas 'inda fazem,
de cera branca
e flores encarnadas e azuis.

Pode então retirar-se,
vá deitar os seus filhos,
Esperança.
Eu fico, encostado ás orelhas da cadeira,
a ver o azul das flores de cera derreter,
a ouvir moribundos
na concha do ouvido;
penso na angústia desse pobre
que a Esperança passeou pelo jardim,
e fico á espera da rosa de amanhã.

(Fernando Guedes - Poesias Escolhidas)

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