sábado, 3 de maio de 2014

Maternidade - um poema de Alsácia Fontes Machado

 Retrato da Sra. Richard Hoare e seu bebê ((1763)  óleo sobre tela, e mede 132.5 x 101.6 cm.
Obra de Joshua Reynolds (1723/1792

No meio evangélico, o mês de Maio é o mês da Família.
Por esse motivo, decidi, ir publicando neste espaço alguns temas sobre o assunto.
Começarei hoje, apresentando a primeira parte, (o poema é longo) de um belo poema da autoria da poetisa Alsácia Fontes Machado, que se encontra no seu livro - APELO

MATERNIDADE

Quem és, flor rubra, cintilante,
De pétalas de fogo, a palpitar,
Que eu vejo a cada passo,
Na estrada por onde vago
Cheia de cansaço,
Que as aves beijam e que beija o mar?
Quem és? E a flor,
Mais rubra e mais  brilhante,
Sorriu-me, aliciante
E disse: - Olha em redor.
Vê, tudo quanto existe, Dos vermes aos cristais,
Do bosque aos areais,
O dia alacre e a noite escura e triste,

O homem, e o condor,
As pedras e os sóis,
Tudo o que vês, enfim,
Nada se faz sem mim:
 Eu sou o Amor!

Mais adiante, achei,
Dispersas pelo chão,
 As pétalas cinzentas
Duma outra flor desconhecida.
Eram pétalas tristes, maceradas,
Sangrentas,
Desmaiadas,
Da cor das vestes do Senhor dos Passos.
Juntei-as numa mão,
Senti-as a tremer, a soluçar
Entre os meus braços.
Mas quem és tu, então?
Ó desolada flor?
Acaso és a paixão?
Serás a Dor?
E á voz do meu carinho
As pétalas chorosas, soluçantes,
Responderam baixinho:
 Nós somos a flor da solidão,
A que não tem corola nem esteio

A que não tem abrigo nem anseio,
Aquela para quem o céu e o chão
É ressequido e duro,
A que não tem já sonho nem futuro:
- Sou a Desilusão.

E estrada em que eu  seguia sem parar,
Nas leis do meu Destino,
Levou-me a umas ruínas.
As pedras resvalavam devagar,
Por entre cardos riam as boninas
E as sombras dos ciprestes,
Ao luar,
Riscavam nas arestas mais agrestes
Figuras de fantasmas.
Fiquei ali parada,
A meditar.
Tudo ali era estranho e delirante,
Tão perto e tão distante
Que eu estava perturbada...
De súbito notei por entre as pedras
Admirável flor que eu nunca vira.
Tinha cor do poente
Nas tardes outonais,
Que ia das ametistas á safira,
Do róseo das auroras aos corais...
Toquei-lhe levemente.
 - Que intensa claridade
Se desprende de ti!
Não sei quem possas ser
Aqui, na soledade,
Vivendo nas ruínas, esquecida.
Que maravilha vim achar aqui!
 - Escuta e vai dizê-lo  á Humanidade:
 - Sou a Saudade!

Nota:
Continua  na próxima segunda-feira

2 comentários:

  1. Viviana querida

    Que bonita esta poesia!
    Obrigada pela partilha.
    Fico a aguardar a prometida continuação.

    Beijinho.
    Dilita

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  2. Querida Dilita

    Sem dúvida.
    Esta senhora, que era das Caldas da Raínha, e que o meu marido conheceu bem... era uma verdadeira poetisa.

    Que sentimentos tão profundos e tão belos...

    A mim, tocam-me muito.
    Tive pena de a não conhecer...só de nome

    Um grande abraço
    Viviana

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