segunda-feira, 5 de maio de 2014

MATERNIDADE - Um poema de Alsácia Fontes Machado (continuação)

A Retrato da Sra. Richard Hoare e seu bebê ((1763)  óleo sobre tela, e mede 132.5 x 101.6 cm.Obra de Joshua Reynolds (1723/1792dicionar legenda

MATERNIDADE

Continuei errante, peregrina,
Na estrada em que seguia
Desde moça e menina,
E fui achar mais tarde,
A flor mais rara
De todas as que o Sol aquece e cria,
De todas as que até então achara.
Aquelas três flores que eu vira outrora
Achavam-se fundidas numa só,~
E a flor erguia agora
As suas folhas verdes dentre o pó.
Sorria para o Sol, sorria para mim,
P´ra o céu e para a Terra,
Como a Bonança.
Ó rara flor, quem és, assim?

Tão poderosa e forte
Que ao pé de ti eu sinta confiança?
 - Sou a que nem a morte
Desespera,
Sou quem move montanhas poderosas,
Quem dentre os cardos  faz brotar as rosas,
E das entranhas do Mal o Bem espera,
Quem não desiste de amansar a fera,
Quem nas tuas mãos frágeis pode pôr
O poder de revolver o mar profundo,
Quem converte em gigante uma criança.
Dos homens sou  o guia e sou o pão,
Sou filha da  Saudade  e do amor,
Brotei do aroma da Desilusão,
Sou a força do Mundo,
-Sou a Esperança.

E a Esperança ficou dentro do mundo,
No coração da Terra,
Vi-a crescer maravilhosamente.
E foi de vale em vale,
De serra em serra,
A derramar o frescor no coração da gente,
A combater a Fome, a combater a Guerra.
E foi riso e foi Sol, foi  Alegria,
Foi a luz do luar, a luz do Dia,

Foi um beijo de amor e foi miragem,
Como um fanal no nosso peito a arder.
E foi crescendo, crescendo,
Até se tornar em Mulher,
Tal qual a nossa imagem.
E assim, 
Por um mistério da  Vida
Que a nossa pobre mente não alcança
Nem a história dos homens nos refere,
A Mulher é a Esperança
E a Esperança é a Mulher.

Mulher, em ti,
Encarna-se a  Beleza, o Heroísmo,
Existe em ti
Uma centelha da Eternidade,
Um misto de holocausto e altruísmo,
És a Maternidade!

Teus seios túrgidos, opulentos,
Derramam leite criador.
Teus flancos saudáveis, arquejantes,
Ocultam o mistério da concepção.
Tu darás o leite aos sedentos
E hás-de gerar, primeiro no coração
E depois na matriz,
Uma outra humanidade de gigantes
Mais feliz.
Há-de nascer do teu amor fecundo
E a embalarás nos braços
E com desvelo lhe guiarás os passos 
E lhe encherás o peito desde o fundo
De todas as mais nobres concepções
Que em ti houver,
Porque é a Semente da Mulher
Que há-de salvar o Mundo!

Oh  que  esp´rança, que sonho, que grandeza,
Uma criança que cresce para a  Vida
Entre os  teus braços criadores, Mulher!
E que tarefa enorme, desmedida,
Dar ao  Mundo um homem mais!
Tu podes não ter pão
Para lhe dar,
Tu podes não ter lar
E o teu coração
Despedaçar-se em ais,
Mas tens, decerto, a boca para o beijar
Quando ele salta no teu colo.
E os beijos que lhe dás,
Mesmo com pranto e dor,
Saciam-no de amor
E enchem-no de paz.

Tornam-no mais  formoso
E fazem-no crescer.
Destino glorioso
É o da mãe. Mulher!
E quando o peito dele contra o teu auscultas,
Quando o apertas nos braços, loucamente,
Tu vives duplamente
E sabes porque vives e sabes porque lutas,
Pois é quando tu cumpres
A missão Maternal,
Que tu enches o mundo
E és Mulher total!

Porque foi do Amor sem altruísmo
Que a Desilusão nasceu,
E tudo o que era alegre entristeceu...
Depois foi a Saudade que irrompeu
Num clamor de indómita ansiedade,
E os três geraram a Esperança
No fim da tempestade...

E tu, Mulher, és a Esperança.

Mulher, filha da Esperança,
Mulher, mãe do Amor,
Prepara entre os teus braços,
Na criança,
Um mundo cheio de  Pão, 
De Paz e de Labor
Onde não haja  dor,
Nem a Desilusão;
Só tu podes fazê-lo.
O Mundo pelo qual
A humanidade anseia.
E no teu gesto maternal
Semeia
Uma  Vida melhor!

(Alsácia Fontes Machado)

No livro - APELO

EDIÇÃO DE UM GRUPO DE AMIGOS da AUTORA


Lisboa - 1952

2 comentários:

  1. Olá Viviana

    Bem haja por ter partilhado este bonito poema.Teve de o dividir em duas partes, mas ele nada perdeu por isso.
    Vou utilisar como minha, a expressão dum amigo nosso, "este poema é um Monumento!"

    Beijinho.
    Dilita

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  2. Querida Dilita

    É sem dúvida de uma grande profundidade e beleza!

    "Um monumento"

    Obrigada, boa amiga
    Um abraço
    Viviana

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