De veloz águia fugindo
Novo pequeno coelho,
Encontra na fuga a toca
Dum graúdo escaravelho.
Posto que ténue este abrigo
Buscando salvar a pele,
Julgar-se pode se o triste
Faria por entrar nele
Comovido o escaravelho
Do mal daquele infeliz,
Á feroz águia intercede:
«Ave real, neste pobre
»Meu compadre e meu vizinho
»Tuas garras não empregues,
»Tem dó dele, coitadinho!
»Sei que para ti não obsta
»O asilo da minha casa,»
Ela nisto num safanão
Lhe dá com o coto d`asa.
A vitima infausta empolga
Do abrigo tendo zombado,
Deixando o bom protector
De frio susto embaçado;
No qual esta horrível cena
Faz tão rápida mudança,
Que toda a sua piedade
Se torna logo em vingança.
Vai ao tronco onde o seu ninho
Tinha a cruel águia feito,
Quebra-lhe os ovos e vem
Inda pouco satisfeito,
Ela vendo o fero estrago
Da sua prole querida,
Com gritos atroa os ares,
Tenta contra a própria vida.
Tomar severa vingança
Em vão do insulto pretende,
Que a pequenez do agressor
Da sua raiva o defende.
No ano seguinte mais alto
Vem seu ninho edificar,
Mas lá mesmo o vingativo
Lhe vai os ovos quebrar.
Assim do coelho a morte
Segunda vez é vingada,
E a sua atroz matadora
Sente aflição duplicada,
Seis meses em vãos gransnidos
Atroa montes e vales:
Faz este enojo segundo,
Que se exacerbem seus males;
Protecção pedindo a Jove
Seu templo excelso procura,
E do númem no regaço
Guarda a terceira postura.
Naquele sitio sagrado
Põe toda a sua esperança,
Que tem no abrigo do nume
Do seu ninho a segurança.
Mas de tom muda o contrário,
Que os passos todos lhe espreita,
Põe -se d´alto, e imunda escória
Sobre o manto ao númem deita;
O sacerdote do templo
Indo-lhe logo limpar,
Os ovos do oculto ninho
Deixa cair e quebrar.
Quando a feroz águia observa
Aquela nova desgraça,
Faz desatinos de louca,
E ao mesmo Jove ameaça.
Qu ´há-de abandonar-lhe a corte
E ir viver para os desertos,
Diz ao monarca dos numes
Com outros mil desacertos.
Jove en honra à sua estátua
Manda, por ordem real,
Comparecer o agressor
Perante o seu tribunal.
Ele vem, expõe-lhe o facto,
conta a sorte do coelho,
D´águia o Deus repreende a insânia
E a teima do escaravelho.
E fazendo esforços vãos,
Sem que os possa acordes ver,
Assim decreta, do fado
Tendo ouvido o parecer:
« De amor, ó águia somente
»Sentirás o impulso terno
»Quando o escaravelho obtuso
»Esteja em quartéis d´inverno.»
Assim foi, e assim se cumpre,
Deixando ver ao mortal
Que ás vezes do mais pequeno
Pode vir o maior mal.
(Curvo Semedo - no livro - Fábulas)
Adorei este poema Viviana. Nao conhecia. Como vai? Um abraço forte.
ResponderEliminarOlá! Querida Fernanda
ResponderEliminarPubliquei há tempos um poema do Curvo Semedo e, verifico que tem tido uma boa apreciação.
Daí, decidi acrescentar mais obra sua... Obrigada
O meu abraço
Viviana