segunda-feira, 11 de junho de 2018

CANÇÃO DO BÚZIO VELHO - Um poema de Vitorino Nemésio


O Poeta e escritor português -Vitorino Nemésio  Fonte da imagem:http://www.citador.pt/ 
A CANÇÃO DO BÚZIO VELHO

Deixem-me ouvir o búzio velho,
Que me ofereceram por escárnio,
O grito da ave  que no espelho
Do longo mar partiu a asa:
E meu coração - descarne-o
Seu bico ardente como uma brasa.

Deixem-me ouvir nesse antigo
Búzio de sala (que agora
Os sobrados são o mar)
As vozes que ele traz consigo
Como o relógio dá a hora
Sem a gente lhe tocar.

Búzio ridiculo, malhado,
Casa onde  nunca entro,
Assim torcido, conservado
Com frio barulho dentro:
Se me falasses em voz alta
Todos ouviam o que eu ouço
Quando uma simples areia salta
No bafo estreito do teu pescoço,
Búzio velho,
Meu começo e meu destroço.

Já que ninguém te aproveita,
Búzio de bicho comido,
Sejas meu
Aqui e em todo o lugar
Onde a minha mão te deita
Com o que soube e esqueceu,
Como um pouco do céu velho,
Búzio relho,
Minha boca e meu ouvido.

Ai!
Esta canção do búzio desusado,
Como a posso acabar dentro de mim,
Se eu sou o bicho dele despegado?
Talvez só cante lá para o fim,
Como o cisne agoniado...
Antes mais tarde, antes assim!

(Vitorino Nemésio - no livro -  Poesia  1935-1940)

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