
O Poeta Teixeira de Pascoaes nasceu faz amanhã 131 anos (2/11/1877).
Descobri-o faz pouco tempo, e desde então elegi-o como meu poeta preferido, ao lado de Miguel Torga.
Não o publico aqui com mais frequência, dada a extensão dos seus poemas.
Hoje mesmo publicarei aqui apenas uma pequena parte de um famoso poema -A Elegia da Solidão, a fim de que os amigos que por aqui passarem, possam conhecer um pouco mais deste homem que marcou a história da Poesia Portuguesa.
Teixeira de Pascoaes
A 2 de Novembro de 1877, nasceu em Amarante Teixeira de Pascoaes.
Dois anos mais tarde, a família muda-se para a Casa de Pascoaes situada na freguesia de São João de Gatão, nos arredores de Amarante. Será neste solar setecentista que Teixeira de Pascoaes habitará a maior parte da sua vida e onde virá a morrer, a 14 de Dezembro de 1952.
As primeiras colaborações poéticas de Pascoaes, no jornal A Flor do Tâmega, datam de 1894 e Embryões, o seu primeiro livro e o único que será repudiado pelo autor, é publicado um ano mais tarde, aos 18 anos.
Em 1896, Teixeira de Pascoaes matricula-se no curso de Direito, na Faculdade de Coimbra, publicando durante esses anos, entre outros livros, Belo, À Minha Alma, Sempre e Terra Proibida.
Em 1906, no Porto, Teixeira de Pascoaes começa a exercer advocacia, profissão de que se ocupa apenas até 1913, ano em que abandona a cidade e fixa definitivamente a sua residência em São João de Gatão. Durante os anos de vivência no Porto, Pascoaes havia publicado, por exemplo, Vida Etérea, Senhora da Noite e Marânus.
Os anos de 1912 a 1921 são marcados pela direcção da revista literária A Águia, órgão do movimento da Renascença Portuguesa, pela publicação do seu primeiro livro em prosa, Verbo Escuro, do ensaio A Arte de Ser Português, de O Bailado, entre outras obras. 1928, data de publicação de Livro de Memórias, marca a transição de Teixeira de Pascoaes da poesia para a prosa e o início de uma série de biografias: São Paulo (1934), São Jerónimo (1936), Napoleão (1940), O Penintente - Camilo Castelo Branco (1942) e Santo Agostinho (1945).
Em Portugal, a obra de Pascoaes é lida com entusiasmo e admiração pela elite intelectual da época, desde Pessoa a Sá-Carneiro, Mário Cesariny e Alexandre O’Neill, António Maria Lisboa e Eugénio de Andrade, Pedro Oom e Mário Henrique Leiria.
Durante este período muitas das obras de Pascoaes são dadas a conhecer a leitores estrangeiros, tornando-se o escritor português mais traduzido e sendo louvado por escritores como García Lorca e Unamuno.
- ELEGIA DA SOLIDÃO -
a Fernando Maristany
O incendio do sol-pôr exala um fumo rôxo
Que ás cousas vela a face...
A macerada flôr da solidão renasce;
O seu perfume é fria e branda magua,
Bruma que já foi agua...
Todo sombra e luar esvoaça o môcho;
Uma nuvem enorme, ao longe, no poente
Desvenda o coração que se deslumbra
E abraza intimamente...
O silencio a crescer, é onda que se espalha...
Sente-se vir o outomno; é já noitinha, orvalha...
Nos êrmos pinheiraes gemem as _noitibós_
E vultos de mulher, sumidos na penumbra,
Passam cantando, além, com lagrimas na voz...
Ó tristeza do mundo em tardes outomnaes!
Longinqua dôr beijando-nos o rôsto...
Crepusculo esfumado em intimo desgôsto,
Bôca da noite acêsa em frios ais...
Aparição soturna, vaga imagem
Do mêdo e do misterio...
Que solidão escura na paisagem!
Tem phantasmas e cruzes,
Tem ciprestes ao vento e moribundas luzes,
Como se fosse um grande cemiterio.
Olho em volta de mim, cheio de mêdo... Tudo
É morta indiferença, espectro mudo!
É o Verbo original arrefecido
Em fragaredos brutos convertido;
Extinto _Fiat Lux_, cadaver que fluctua
No ceu nocturno e fundo...
As almas que partiram d'este mundo
Voltam na luz da lua.
São phantasmas em neve amortalhados,
Eternamente tristes e calados...
São sonhos esvaidos, nevoa fria,
Perfis de fumo e de melancolia...
Vagas formas de imagem ilusoria
Que a lua merencoria
Molda em penumbra e cêra
Na noite transparente de chimera.
E todavia eu sinto
Um acordar de instinto,
Um palpitar de viva claridade
Em cada cousa obscura...
O aroma d'uma flôr quem sabe se é ternura?
A noite não será phantastica saudade?
A deusa que semeia estrelas no Infinito
E corôa de lagrimas divinas
A extatica tragedia das ruinas,
Toda em versos de marmore e granito?
Misteriosamente
Sobe da terra um sonho transcendente;
Emanação de mistica tristeza,
Como o fumo d'um lar
Que tem, junto do fogo, alminhas a rezar.
Mas, ai, a Natureza,
Reservada e offendida, afasta-se de nós!
E na sua mudez arrefecida
Congela a minha voz...
Um silencio mortal separa-me de tudo!
E como a sombra tragica da vida,
Vou pelo mundo além;
Enorme espectro mudo,
Monstruosa presença de ninguem!
Vivo sósinho e triste, assujeitado
Ao meu phantasma errante e desgraçado,
Em ermos de abandono;
Ermos de Portugal,
Onde a alma do sol divaga com o outomno
N'um sempiterno idilio sepulcral.
Sou nada, e quero ser!
Quero ser tudo, e eu! Quero viver
A vida misteriosa...
Interrogo o silencio e a noite rumorosa
De sombras e segredos...
Contemplo comovido os astros e os penedos,
E fico a ouvir as fontes n'um eterno
Queixume que ergue a voz durante o negro inverno!
Passo horas a aspirar o aroma d'uma flôr;
Sombra que eu vejo em pétalas de côr
Esparsas, ondeantes,
Nas virgens claridades madrugantes.
E a pura sensação que me domina,
É qual longinqua Apparição divina
Que me seduz e afaga...
E de estrela em estrela é alma que divaga...
Quantas vezes me sento á beira d'um abismo,
Sobre escarpados blócos;
E em mim perdido scismo...
E ouço apenas cair nos tenebrosos fundos,
As lagrimas de luz que vêm dos outros mundos
E a neve do silencio em negros flócos.
Absorvo-me na noite e no misterio;
Erro, ao luar, em êrmo cemiterio,
Sob as azas geladas do _nordeste_;
Interrogo na vala a sombra do cipreste
Rumorosa d'um funebre desgosto,
Com gestos espectraes ás horas do sol-posto...
E n'um doido, febril deslumbramento,
Vejo-me sepultado em pensamento
E durmo, durmo, durmo a Eternidade...
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