A minha amiga ti Pinta, olhando para mim
Veja-se a brancura.
Até os vasos estão pintados e as flores de plástico lavadas.
Antes dela partir era assim.
Agora...uma rosa esperando por ela, como sempre.
Um belíssimo botão de rosa perfumado.
A verdura luxuriante da roseira.
Os belos brincos de princesa, aguardam que ela venha vê-los.
A janelinha da cozinha ainda com a cortina.
Não é a mesma cancela. As ervas a invadir.

O tanque onde lavava, engolido pela erva da fortuna.
Diante da porta de entrada. O alguidar da roupa.
Algumas das suas roupas.
Os seus vasos amontoados.
É este o aspecto agora.
A ti Pinta era uma das minhas amigas da aldeia de Maceira - Pero Pinheiro.
Aldeia essa onde os meus viveram durante mais de cinquenta anos.
Ela vivia numa casa muito antiga. Uma casa caracteristicamente saloia, que ficava á beira de um caminho, muito perto da casa dos meus pais.Tinha um pequeno murinho junto á porta de entrada, que formava um pequeno pátio, com uma cancela de madeira pintada de verde. Tinha um pequeno mas sempre bem cuidado jardinzinho onde chamava a atenção principalmente uma linda e rara roseira de folhas verde-escuras e grandes e perfumadas rosas cor - de - rosa, e um arbusto de brincos de princesa que dava flores muito belas e enormes.
A porta, única porta, dava para uma divisão onde as lages naturais serviam de pavimento.Era uma sala, onde estava incluida a cozinha, com todos aqueles "equipamentos" em pedra mármore rosada, existente naquela zona. Tinha o poial onde estavam as bilhas com a água que se ia buscar á fonte.Havia um forno de cozer o pão, metido na parede, assim como umas pequenas prateleiras. Uma pequena escada de pedra levava ao andar superior, onde ficava a sala e os quartos, cujo chão era de madeira, formado por tábuas compridas. O tecto não era forrado, era atravessado por vigas de madeira que iam de um lado ao outro da parede.
Nessa divisão havia uma janela com um vidro único, e com dois suportes para colocar vasos de flores, um de cada lado da janela, da parte de fora.
Eu estive lá dentro e recordo que achei aquela casa extraordinária.
A ti Pinta sempre mantinha tudo limpo e arranjado. Mesmo já com mais de noventa anos, todos os anos pela altura do S. João( Padroeiro da terra), ela esmerava-se a caiar as paredes dentro e fora da casa, e o murinho,de tal modo que reluzia de brancura.
A ti Pinta ficou viúva muito cedo e nunca mais casou nem teve nenhum companheiro.
Morreu-lhe uma filha muito nova, num acidente de carro quando vinha de França passar as férias a Portugal.
Restou-lhe apenas um filho que casou e foi viver para perto de Mafra.
Eu e a ti Pinta dávamo-nos muito bem. Éramos boas amigas, embora sendo ela bastante mais velha do que eu.
Recordo, com saudade, que todas as vezes que eu passava á sua porta ficávamos sempre a conversar um pouco. Ela tratava-me por "menina Viviana".
Pois bem, esta minha amiga morreu o ano passado, sem que eu tivesse sabido a tempo de ir ao seu funeral.Isto entristeceu-me bastante, pois eu queria muito acompanhá-la á sua última morada. Só o soube depois.
Por ter usado outro caminho, desde que ela morreu nunca mais tinha passado diante da porta dela.
Esta semana quando fui á aldeia lembrei-me de ir espreitar e ver como estava a casa da ti Pinta.
Eu fiquei chocada com o que encontrei.Havia lixo por todo o lado no pátio diante da porta.Dava ideia de que alguém lá foi despejar entulho e coisas velhas.Os seus vasos com as plantas que ela cuidava com tanto carinho, estavam virados e amontoados em cima do telhado da capoeira das galinhas. Algumas das suas roupas estavam espalhadas em cima da coelheira, apodrecendo á chuva. O seu alguidar de lavar a roupa estava caído no chão diante da porta, As ervas daninhas tomaram conta de tudo. Inclusivé já galgaram por cima do tanque de lavar a roupa.
Uma tristeza! Uma imensa tristeza!
Como foi possível em tão pouco tempo ficar tudo vandalizado e destruído?
Ah! mas havia algo que permanecia igual, quiçá muito mais belo e atraente: As suas queridas e estimadas Rosas perfumadissimas, no meio da brilhante e fresca folhagem verde. Também os enormes Brincos de Princesa caíam em cachos lá do alto do antigo arbusto.
O perfume das rosas fazia-se anunciar ainda longe.
Que eu saiba, ninguém na aldeia tem roseiras daquelas. Daquelas, só me lembro de uma que havia na minha infância junto á casa onde eu morei em Leiria.
Penso que as rosas e os brincos de princesa ainda não perceberam que a ti Pinta já cá não está. Aguardam que ela apareça a qualquer momento para as acarinhar.