Imagem da net.
Naquele dia, o ano passado, saímos em família como habitualmente, para dar uma volta e descontrair um pouco.
O Gil tinha comprado havia pouco tempo a sua nova máquina fotográfica digital, que sempre o acompanhava, e acompanha, nestas saídas. A máquina é grandinha e ainda parece maior, mais volumosa, quando ele coloca o parasol, como acontecia naquele momento.
Estacionámos o Fiat Punto azul num larguinho debaixo de uns belos e refescantes plátanos, junto a uma casinha rural, pequenina e bastante antiga. Reparámos que junto á porta estavam vários gatos, como quem espera por uma comidinha para matar a fome. A porta abriu-se e saiu uma senhora muito idosa, muito magrinha, pequenina, e com um ar muito pobre. Ao passar junto dela eu parei para a cumprimentar e para conversar um pouco com ela, pois parecia uma pessoa bastante só.
Enquanto conversávamos, o Gil não perdeu a oportunidade para tirar algumas fotografias de alguns ângulos interessantes do largo. De repente, a senhora ficou com um ar muito preocupado, e disse: «Para onde é que ele me está a levar o gato preto? Ele, era o Gil. Eu olhei e vi que o gato estava ali ao lado de um carro e que o que a senhora, que via muito mal, julgava que era o gato nas mãos do Gil, era apenas a preta e volumosa máquina fotográfica.
Quando percebi o engano tentei tranquilizar a senhora explicando-lhe que se tratava da máquina fotográfica.
Então ela ficou mais calma.
Conversámos mais um pouco e depois de nos despedirmos fomos á nossa vida.
Passaram-se vários meses e ao passarmos novamente ali perto da casa dela, pedi ao Zé para estacionar ali debaixo dos plátanos para eu ir saber da senhora. A casa estava toda fechada e sem vestígios dela.
Dirigi-me então a duas senhoras que conversavam ali e pedindo desculpa por estar a interromper, perguntei se me sabiam dar notícias da senhora da casinha ali em frente. Elas tiveram a gentileza de me informar que sim, que ela estava bem e que não deveria estar longe dali. Agradeci-lhes e pedi-lhes o favor de entregarem os meus cumprimentos.
No sábado passado, quando ía-mos a caminho da praia, voltámos a estacionar o carro no mesmo lugar para ir-mos tomar o pequeno almoço num café ali perto. O Zé, que é um rapaz bem humorado, disse para o Gil: "É melhor esconderes a máquina fotográfica pois a senhora vai dizer que lhe estás a roubar o gato preto»
Claro que sorrimos ao lembrar-nos dessa cena, mas o Gil levou mesmo a máquina na mão.
Ao estacionarmos o carro, o nosso primeiro gesto foi olhar para a porta da casinha da senhora velhinha, para nos certificarmos se ela estaria por ali, pois queríamos muito vê-la e cumprimentá-la.
Vimo-la então por dentro do vidro da porta, fixando o olhar na tentativa de vêr quem éramos.
Como era tarde e a fome apertava, decidimos ir comer primeiro e na volta parar e falar com ela.
Mesmo assim, ao passarmos á porta sorrimos para ela e acenámos-lhe um olá, isto, eu e o Gil, pois o Jorge e o Zé por temperamento não são muito de parar e conversar com as pessoas. Porém ela, concerteza por ver muito mal, não correspondeu ao nosso aceno.
Quando voltámos ela ainda estava no mesmo lugar por dentro do vidro. Aí, já com os estomagos confortados, parámos, sorrimos, e acenámos-lhe novamente. Vimos que fez um grande esforço para ver quem éramos, mas abriu imediatamente a porta sorrindo para nós com um lindo e doce sorriso.
Eu disse-lhe então: Como vai a senhora? Ao que ela respondeu: «Mal, muito mal. Estou muito doente e muito fraca. A médica disse-me que a minha coluna está a partir-se em duas, veja lá! E, virando as costas para mim disse-me ainda: «A senhora ponha a sua mão aqui nas minhas costas e veja como estou.» Eu enfiei a minha mão por baixo do velhinho roupão, muito gasto e debotado, e logo tacteei uma "crista óssea" alta e fina, na região dorsal que fazia impressão tocar.
Falou-me então do seu dia - a - dia, de como era triste viver assim doente e só, á espera que a morte chegue um dia destes e a leve para descansar.
Eu e o Gil ouvimo-la com toda atenção e ficámos deveras compadecidos. Ela disse que não tem família e que queriam que ela fosse para um lar, mas ela não quer deixar a sua casinha, o seu cantinho, e que por ali tenciona ficar até Deus querer.
Procurei dirigir-lhe algumas palavras de carinho e de encorajamento, mas concluí que não tinha muito mais para lhe dizer.
Perguntei-lhe quantos anos tinha e ela disse que já não sabia quantos eram. Olhando-a, vê-se que serão já muitos, muitos mesmo, talvez uns 95 ou 96.
Despedimo-nos dela abraçando-a, beijando-a, e desejando-lhe as melhoras .
Com um sorriso bonito naquele rosto pequenino e magro ( como de criança) ficou a seguir-nos com o olhar, acenando-nos com a mão até o Fiat Punto desaparecer lá ao fundo.
Pensei: Será que a voltarei a ver? Só Deus sabe. Mas eu gostava, gostava muito.