
Oh! meu bom e velho amigo, Eucalipto!
Estavas aí há tantos anos!
Mais de cinquenta, dizem...
Eu conhecia-te há mais de trinta, quando vim morar perto de ti.
Recordo que tinhas á tua beira uns três ou quatro irmãos, alguns deles ainda mais velhos do que tu.
Viviam todos felizes nesse espaço, bailando ao sabor do vento, e cantando belas e mágicas canções, ás vezes em surdina, outras vezes num crescendo, que nas noites serenas e calmas do verão, soavam na minha janela.
Um dia porém, lembraram-se de empedrar esse chão onde todos viviam alegremente.
Da terra batida quiseram fazer um caminho de paralelipípedos, e para tal, sem dó nem piedade...decidiram, friamente, matar três dos teus irmãos.
Deixaram-te a ti, e a um outro, que estava ferido de morte, porquanto tocaram e danificaram as suas raízes.
Esse outro, não durou muito.Em pouco tempo morreu.
Sobráste tu, só tu.
Eu senti que sofreste com a morte dos teus irmãos.
Tinhas um ar triste. Nem parecias tu.
Mas aos poucos, tal como acontece com os humanos, percebeste que a vida continuava e que era preciso ser forte , resistir, viver.
Decididamente, lançáste as tuas raízes nas profundezas da terra, e foste lá bem ao fundo procurar e buscar a seiva, que fez nascer e crescer novos ramos, que te fizeram chegar mais alto que nunca, e de onde podias olhar e sorrir carinhosamente para as crianças, que ao teu lado brincavam no recreio da escola, e ainda a todos aqueles -muitos-que passavam p'ra lá e p'ra cá, por baixo de ti. Lembras-te de todos aqueles alunos do secundário, da outra escola do outro lado?
Era fantástico, todos os anos em Janeiro, olhar e ver como te cobrias de flores brancas cheirosas, que eram a perdição das abelhas...A! como elas gostavam tanto do teu polén!
Lembro-me agora, que aqui há tempos comprei mel de eucalipto, quem sabe se seria teu?
Todas as Primaveras e Verões, os pássaros e as aves vinham de todo o lado empoleirar-se nos teus ramos e por lá ficavam tempos esquecidos a cantar e a gorgear
Tantas vezes, quando me aproximava de ti, vinha pé-ante-pé, para não espantar aquele melro que lá no último galho cantava alegremente, todos os nascer e todos os pôr do-sol...
Ah! e aquele verdelhão que se escondia no meio das tuas folhas verdes, e encantava quem passava, como eu, com a sua música maravilhosa.
Quantas vezes fiquei de cabeça no ar, olhando, olhando, a tentar descobrir onde ele estava.
E quantas e quantas vezes, tu me oferecias as tuas folhas agradávelmente cheirosas e medicinais... para o meu Zé, fazer inalações nas crises de sinusite que o deixavam tão mal.
Tambem para as nossas constipações, eram as tuas folhas que nos valiam...E sempre que aparecíamos a pedir-te mais um raminho, tu sorrias para nós e dizias: «Podem levar! Levem á vontade! Não me fazem falta! Eu tenho tantas!
E lá vínhamos nós com os nossos braçados.
Sabes, que hoje de manhã, eu não queria acreditar no que o que os meus olhos viram... seria que eu estaria a vêr mesmo bem?
Tu estavas caído no chão!
O teu tronco estava partido junto á raíz...
De repente lembrei-me da enorme tempestade de vento forte e chuva intensa que chegou ás duas da manhã.
Foi ela, foi a tempestade que te derrubou!
Atirou-te ao chão!
Assim, sem dó nem piedade!
Tu não merecias morrer assim!
Tu nasceste para viver centenas de anos!
Mas não foi só a tempestade.
Foram os homens que quando empedraram o caminho, não te respeitaram...
Eles colocaram cimento e paralelipípedos, encostados á volta do teu tronco.
Tu precisavas de um espaço limpo, de terra, á tua volta, um quadrado grande para as tuas raízes respirarem e desenvolverem-se. Mas eles não respeitaram isso e o que aconteceu, foi que as tuas raízes apodreceram, bem como parte do teu troco.
A tempestade quando chegou tinha o trabalho facilitado, para te abater...
E agora?
O que é que eu digo ao melro e ao verdelhão, quando eles chegarem no mês que vem?
O que é que eu digo a todos os outros pássaros e aves que vão vir procurar-te?
O que é que eu digo ás abelhas quando vierem para buscar o teu polén?
O que é eu digo ás crianças das escolas?
O que é que eu digo aos velhos que virão, para se sentarem á tua sombra?
Aonde é que eu vou buscar as folhas para tratar a sinusite do Zé e as nossas constipações?
Como é que que eu vou ser capaz de passar nesse caminho e não te ver?
Como é que eu vou ser capaz de olhar desta janela e o teu espaço estar vazio?
Oh meu bom e velho amigo Eucalipto, vou sentir tanto a tua falta...
Vai ser difícil para mim não te ver lá...
Mas olha, meu amigo, eu prometo que sempre te irei recordar com muita saudade, e falarei de ti aos meus netos, que tão bem te conheciam, para que nunca te esqueçam
E sabes, vou pedir ao meu amigo Presidente da Junta, para plantar um igual a ti nesse espaço que era teu...
Á tarde, comecei a ouvir a moto-serra, e quando olhei da janela, vi que te estavam a cortar aos pedaços para levar-te não sei para onde.
Depois, vi dois camiões parados aqui na rua que vinham carregar-te e levar-te.
Não tive coragem de olhar quando passáste nos camiões, partido aos bocados...
Era duro demais...
Adeus, meu bom amigo Eucalipto!
Obrigada por todas as alegrias que me deste.
Por todas as vezes que me fizeste sorrir.
Por toda a felicidade que me proporcionáste.
Obrigada meu Deus, por teres criado esta árvore tão bela, que foi tão importante para mim e para tantos outros.