quinta-feira, fevereiro 19, 2015
Minha Tia Rute17 de Outubro de 1950 - 18 de Fevereiro de 2015.
Às vezes as segundas mães são as primeiras a ser esquecidas. A minha Tia Rute foi uma segunda mãe para mim e para as minhas irmãs. Até irmos para a escola os dias eram passados na casa dela, enquanto os meus pais trabalhavam. Na minha cabeça não há vida antes da Tia Rute porque a Tia Rute esteve sempre lá.
A minha Tia Rute era a mais nova dos seis filhos dos meus avós. Apesar de ser a mais nova é a primeira a partir. É a primeira a reencontrar os meus avós onde eles estão com Cristo. A minha Tia Rute cuidou do meu avô até à partida dele em 1989. E ficou a viver na casa dele. Uma casa cheia de livros e, nos últimos anos, de gatos.
A minha Tia Rute nunca casou. Aqui há uns anos escrevi uma música chamada "A estranha via da monogamia" que tem uma linha que diz que "ninguém tem boas maneiras para as tias solteiras", em boa parte inspirada na minha Tia. Não que as pessoas fossem mal-educadas com ela. Mas sempre fiquei com a ideia que, numa sociedade que desaprendeu o valor do celibato, paira uma sombra de derrota sobre aqueles que não casam, ou que não têm uma vida romaticamente visível. Isto infelizmente até entre cristãos. É uma vergonha. O Apóstolo Paulo tinha muitas palmadas a dar a todos os tontos que julgam que não casar é passar ao lado do melhor que a vida tem.
Nesta passada semana que visitei a minha Tia no Hospital senti um peso que nos últimos tempos me acompanha sempre que penso nas pessoas que amo e que a qualquer momento podem partir (a rigor, todas as pessoas que amo podem partir a qualquer momento). Esse peso é certificar-me que essas pessoas saibam do amor que lhes tenho. Há aqui um risco de sentimentalismo que é o pior inimigo do amor verdadeiro. O importante não é contagiar as pessoas com o que sinto. O que sinto só é importante na medida em que está além de mim mesmo. A importância das pessoas saberem que as amo parece-me estar no facto de participarmos de uma coisa que, em último grau, é maior do que nós. Por isso o amor entre os homens é sempre uma questão de louvor ao Criador. Sempre que nos amamos uns aos outros para nos amarmos apenas a nós, caímos em idolatria. Sempre que nos amamos uns aos outros em louvor a Deus, imitamos o padrão que Jesus deixou aos discípulos: amamo-nos uns aos outros porque o Pai amou o Filho ("Como o Pai me amou, também eu vos amei a vós; permanecei no meu amor." João 15:9). Este é o amor que continua e que não se extingue no sentimentalismo. O pior de não dizermos às pessoas que amamos que as amamos é não participarmos do justo louvor ao Deus que as criou. E, por isso, não lhes darmos o maior consolo que elas podem ter: serem amadas num amor que não acaba, tal como Deus não acaba. Nesta última semana tentei dizer isso à minha Tia. Não sei se o fiz como deve ser mas isso já não me perturba porque ela está agora junto do seu Redentor e aí não há mais equívocos acerca da realidade e eternidade do amor.
Viver solteiro não é morrer sozinho. Os meus tios ficaram com a minha Tia até ao fim. O meu Tio Joel, o patriarca Oliveira, só saiu quando o mandaram embora, já depois de uma tolerância após o fim da hora das visitas. A Tia acabaria por partir cerca de uma hora depois. Já não respondia porque a sedação para as dores tinha aumentado. E este verbo é muito importante: ficar. O Pastor Leal, que provavelmente foi o Pastor da minha Tia durante a maior parte da vida dela, também esteve com ela. A minha Tia deu muito do tempo dela à igreja à qual pertencia. Foram dois amigos que muito trabalharam juntos que se despediram dizendo "até breve!"
A minha Tia Rute tinha um sentido de humor especial. Nos últimos anos a minha brincadeira preferida com ela era, juntamente com a minha mãe, fazer piadas com as coisas que ela gostava ou insinuar que estava a ficar taralhoca. Por exemplo, o facto de gostar tanto de gatos fazia com que passasse a vida a dizer-lhe que os animais não têm alma. Ou, noutro exemplo, ironizar com as leituras geralmente conspiracionistas que ela fazia das pequenas situações da sua vida (estava cada vez mais desconfiada). A minha Tia respondia com uma indignação fingida que terminava com ela a rir-se de si mesma. Era muito bonito, isto. Talvez por este sentido de humor dela, creio que nunca nos zangámos.
A minha Tia afadigou-se cuidando dos outros. Tentei fazer o mesmo com ela. Foi claramente deficiente comparando com o que ela fez por mim. A última vez que se dirigiu a mim tratou-me por "filhito", e essa é que é a verdade. Foi uma segunda mãe para mim. Fica o exemplo da sua fé e um amor vivido entre nós que precisa de uma eternidade para ser honrado. O Senhor a deu, o Senhor a tomou. Bendito seja o nome do Senhor.
(Tiago Cavaco - http://vozdodeserto.blogspot.pt/)
5 comentários:
Que post lindo, Viviana querida! Muito humano! Que Deus abençoe os familiares e amigos da tia Rute, e lhes dê o verdadeiro consolo e a esperança do breve encontro na casa do nosso Pai.
Um abraço a si e ao Pastor Tiago.
Neli
Boa tarde maninha querida, o dia está a terminar, penso que estás cansadita, mas super feliz!!!...Não tarde a casa vai ficar vazia, sem as vozes e os risos dos teus filhos, noras e netos, ao todo 19 que Deus te deu e para quem fizeste hoje o almoço, e não só…Logo que te seja possível sentaste no teu cadeirão a descansar todo o corpo, e especialmente esses joelhos. Talvez até me telefones a contar como tudo foi lindo!!!...
Quanto á homenagem que o Pastor Tiago Cavaco escreveu para a sua tia, colocando-a até no lugar de sua segunda mãe, é enternecedor!!!...O sobrinho passou para o papel, daquilo que tem o coração cheio!!!...Gostei muito… … …Entre tantas frases... Que a Saudosa Rute ia gostar muito de ler; ele diz: “Na minha cabeça não há vida antes da Tia Rute porque a Tia Rute esteve sempre lá. Que coisa mais linda!!!...!!!...
Aproveito para expressar aqui os meus sentimentos a toda a família.
O nosso querido irmão era muito amiguinho da Rute, eram como irmãos. E Ontem mesmo no pico do tratamento, escreveu tão lindo em: “DEUS É AMOR” sobre a morte, julgo eu, que a pensar na Rute.
Tomo a liberdade de deixar aqui um bocadinho
(Portanto, no meio de toda a tristeza humana que a morte sempre nos traz, nunca esqueçamos que, para os crentes salvos por Jesus Cristo, há ainda e sempre uma esperança maravilhosa: eles sabem que, ao morrer, irão de imediato para o glorioso Céu de Jesus, onde o SENHOR está já de braços abertos à sua espera! Que bênção maravilhosa!)
Néli querida
Olá! linda e doce amiga!
Obrigada por a sua visita e as suas boas palavras.
Darei sim, o seu abraço ao Pastor Tiago
Bençãos sem fim dos céus sobre a amiga e a sua família
Estou orando
Um abraço
Viviana
Querida maninha Esperança
Obrigada por todas as tuas amáveis palavras.
Foi sem dúvida um dia muito, muito abençoado
Quanta alegria!
Um beijinho
Viviana
Muito obrigada por tuas orações! Beijos agradecidos, minha amiga! Neli
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