O Poeta e escritor português - Eugénio de Andrade Eonte da imagem: https://www.google.pt |
«Sou filho de camponeses, passei a infância numa daquelas aldeias da Beira Baixa que prolongam o Alentejo e, desde pequeno, de abundante só conheci o sol e a água. Nesse tempo, que só não foi de pobreza por estar cheio do amor vigilante e sem fadiga de minha mãe, aprendi que poucas coisas há absolutamente necessárias. São essas coisas que os meus versos amam e exaltam. A terra e a água, a luz e o vento consubstanciaram-se para dar corpo a todo o amor que a minha poesia é capaz. As minhas raízes mergulham desde a infância no mundo mais elemental. Guardo desse tempo o gosto por uma arquitectura extremamente clara e despida, que os meus poemas tanto se têm empenhado em reflectir; o amor pela brancura da cal, a que se mistura invariavelmente, no meu espírito, o canto duro das cigarras; uma preferência pela linguagem falada, quase reduzida a palavras nuas e limpas de um cerimonial arcaico - o da comunicação das necessidades primeiras do corpo e da alma.
Dessa infância trouxe também o desprezo pelo luxo, que nas suas múltiplas formas é sempre uma degradação; a plenitude dos instantes em que o ser mergulha inteiro nas suas águas, talvez porque então o mundo não estava dividido, a luz cindida, o bem e o mal compartimentados; e, ainda, uma repugnância por todos os dualismos, tão do gosto da cultura ocidental, sobretudo por aqueles que conduzem á mineralização do desejo num coração de homem. A pureza de que tanto se tem falado a propósito da minha poesia, é simplesmente paixão, paixão pelas coisas da terra, na sua forma mais ardente e ainda não consumada.»
MULHERES VESTIDAS DE PRETO
Há mulheres que são velhas vestidas
de preto até à alma.
Contra o muro
defendem-se do sol de pedra;
ao lume
Furtam-se ao frio do mundo.
Ainda têm nome? Ninguém
pergunta, ninguém responde.
A língua, pedra também.
Póvoa de Atalaia, 4.7.90
Estas mulheres lembram-me sempre
um poema breve de Whitman que me
acompanha desde Coimbra. As mulheres
estão sentadas ou vão e vêm, umas são
velhas, outras jovens; / As jovens são
formosas, mas as velhas são mais formosas
ainda.
(Eugénio de Andrade - no belíssimo livro - UM OLHAR PORTUGUÊS)
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