O Poeta José Luís Peixoto - Fonte da imagem: http://www.citador.pt/poemas
Pai
Pai. A tarde dissolve-se sobre a terra, sobre a nossa casa. O céu
desfia um sopro quieto nos rostos. Acende-se a lua. Translúcida,
adormece um sono cálido nos olhares. Anoitece devagar. Dizia nunca
esquecerei, e lembro-me. Anoitecia devagar e, a esta hora, nesta altura
do ano, desenrolavas a mangueira com todos os preceitos e, seguindo
regras certas, regavas as árvores e as flores do quintal; e tudo isso me
ensinavas, tudo isso me explicavas. Anda cá ver, rapaz. E mostravas-me.
Pai. Deixaste-te ficar em tudo. Sobrepostos na mágoa indiferente deste
mundo que finge continuar, os teus movimentos, o eclipse dos teus
gestos. E tudo isto é agora pouco para te conter. Agora, és o rio e as
margens e a nascente; és o dia, e a tarde dentro do dia, e o sol dentro
da tarde; és o mundo todo por seres a sua pele. Pai. Nunca envelheceste,
e eu queria ver-te velho, velhinho aqui no nosso quintal, a regar as
árvores, a regar as flores. Sinto tanta falta das tuas palavras.
Orienta-te, rapaz. Sim. Eu oriento-me, pai. E fico. Estou. O entardecer,
em vagas de luz, espraia-se na terra que te acolheu e conserva. Chora
chove brilho alvura sobre mim. E oiço o eco da tua voz, da tua voz que
nunca mais poderei ouvir. A tua voz calada para sempre. E, como se
adormecesses, vejo-te fechar as pálpebras sobre os olhos que nunca mais
abrirás. Os teus olhos fechados para sempre. E, de uma vez, deixas de
respirar. Para sempre. Para nunca mais. Pai. Tudo o que te sobreviveu me
agride. Pai. Nunca esquecerei.
José Luís Peixoto, in 'Morreste-me'
José Luís Peixoto, in 'Morreste-me'
( http://www.citador.pt/poemas)
2 comentários:
Boa noite maninha querida. Que tu e os teus estejam bem… por aqui e na Suíça tudo normal, graças a Deus.
É só para te dizer que gostei muito desta poesia…A vida e a morte é assim tal e qual que a sentimos.
Por vários motivos agora não tenho comentado, mas vou lendo tudo o que poço.
Tem, tenhamos todos, uma noite tranquila
Querida maninha Esperança
Sim, este texto é muito profundo, muito belo.
Enquanto o lia recordava o nosso amado e bom pai - José Regueiras
Que está sempre connosco.
Um grande abraço
Viviana
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