terça-feira, 21 de julho de 2015

As surpreendentes coisas que nos acontecem quando nos deixamos guiar pelo Espírito Santo


Há uns dias atrás, como acontece todas as semanas, eu, e a maninha Teresinha,  fomos até  Maceira - a nossa aldeia do coração. Antes, passámos pelo cemitério de Montelavar, para cuidar das campas dos nossos pais.

Agora, aqui, começa uma interessante história:

Entramos sempre pela cancela das traseiras do cemitério, pois fica a caminho da aldeia.

A Teresinha estacionou o carro num parque de estacionamento que ali há, num espaço amplo. Estavam apenas dois carros estacionados : Um, juntinho à  cancela, e outro  bastante afastado, logo no início, quando se chega. Estávamos nós a sair do carro quando nos apercebemos da chegada de uma camioneta de caixa aberta, daquelas usadas pelos empresários  para transportar produtos. Vimos a camioneta, mas não demos   importância, pois ambas pensámos que seria alguém das muitas fábricas de mármores que há por ali, que viesse visitar a campa de algum familiar.

De repente, vimos sair da camioneta uma "velhinha" , muito magrinha e  usando canadianas, a qual, imediatamente, começou a ralhar connosco, porque o nosso carro estava estacionado atravessado, em vez de, como habitualmente, ficar viradinho para o caminho preparadinho para sair. O curioso, é que a Teresinha nunca estacionou o carro daquela maneira.

Ora, a velhinha, que entrou com uma condução invejável, foi estacionar juntinho do carro que estava perto da cancela. Ralhou, ralhou, por não termos estacionado o carro bem . Ela dizia: " Acham que está bem o que fizeram? estão a ocupar esse espaço todo, e se chegasse agora um funeral? como é que era?
Eu e a minha irmã ficámos caladinhas e espantadas. Mas como ela não parava  de falar, a minha irmã disse: "A senhora tem toda a razão, eu não devia estacionar assim."

A minha irmã, foi entrando no cemitério, onde estão dois cães de guarda, presos, e ela foi dar-lhes comida. Traz-lhes sempre, sempre comida.
Eu fiquei para trás á espera da velhinha,  que não parava de falar, muito zangada. Quando chegou junto de mim, eu disse-lhe: A senhora não se aborreça, faz-lhe mal, a minha irmã já reconheceu que a senhora  tem razão. Nisto, fixei o rosto dela e,  vi que tinha muitas, muitas rugas profundas,  que abriam sulcos na pele de tez tisnada  pelo sol. O seu rosto era pequenino e harmonioso, nele podiam ver-se uns lindos olhos já com pouco brilho e amortecidos.

Ao olhá-lo, emocionei-me...

Disse-lhe então: A senhora tem uma cara tão linda! Tão linda!
As suas rugas são tão bonitas!
Há quem ache que as rugas são feias, mas eu acho que não.
Ela olhou-me espantada e muito séria . Eu perguntei-lhe de seguida: Posso tirar-lhe uma fotografia? Para lhe dar, é para si...Ela, naturalmente, surpreendida,  ficou a olhar para mim. Eu acrecentei: Tenho aqui uma máquina  que até foi o meu filho que me deu, e, tirando-a da minha pequena alcofa, que transporto habitualmente comigo, para levar poucas coisas,  mostrando-lhe disse: É cor- de - rosa, é linda!
Ela  preparou-se para a fotografia, e eu percebi que ela me dava autorização. Estávamos já dentro do cemitério e então eu disse-lhe: Não vamos tirar aqui dentro, vamos ali para fora escolher um lugar. Ela , colocou-se junto do primeiro carro e pousou para a foto. Tirei-lhe duas ao rosto e duas de corpo inteiro. Verifiquei que ficou contente.

Entrámos novamente no cemitério, e ela levou-me junto das campas dos seus familiares. Campas de mármore branco, muito bem cuidadas e cheias de fotos de familiares ali sepultados; explicou-me quem era cada um, e quem foram os bons e quem foram os maus.
Eu, pretendia, uma vez as fotos reveladas, colocá-las num envelope e deixá-las ali escondidas debaixo de alguma pedra. Ela, olhando-me, disse-me: Oiça lá: a senhora não frequenta nenhum café aqui perto? Eu disse: acabei de vir de um, "o Sol", em Pero - Pinheiro. Sugeriu-me então deixar lá as fotos entregues ao jovem proprietário, que ela depois iria lá buscar.
 Certo, disse eu, fica combinado . Entretanto perguntou-me: "onde fica a campa da sua mãe?" Enquanto caminhávamos para lá, ela disse-me que tinha 81 anos e que, todas as noites ia cuidar de uma senhora de 91 anos que vivia sozinha. Aliás, acabara  de vir  de lá. Contou-me que o filho estava muito zangado  com ela, porque não precisava, de, usando canadianas, ir tomar conta da senhora. Que lhe disse, que enquanto ela vivesse, ele tinha uma fatia de pão para lhe dar. Percebi que estava a sofrer com isso e disse-lhe: A senhora faça de acordo com o que lhe diz a sua cabeça e o seu coração. Não se preocupe com o que diz o seu filho. Olhe, ele até devia sentir orgulho de a mãe, aos 81 anos e com incapacidade motora, ser capaz e ter gosto de ajudar a outra senhora de 91. 

Chegámos entretanto, junto da minha irmã que acabava de cuidar da campa da minha mãe, e disse-lhe: Olha Teresinha, esta senhora quer conhecer a campa da   nossa mãe.
Eu pensava que a minha irmã estivesse aborrecida comigo por a ter deixado sozinha, mas não, ela estava até muito bem disposta e foi muito simpática com a "velhinha" que lhe tinha ralhado. 

Estávamos já com pressa, pois ainda íamos a caminho da aldeia, e eu, disse à velhinha: Olhe  dona D. temos que ir andando.  Ela, com um doce e lindo sorriso, pendurou-se ao meu pescoço( sou bastante grande) e disse-me: "Deixe-me dar-lhe dois beijinhos". Eu respondi: Com muito gosto, e beijei-a também. Ela, sorrindo ainda, acrescentou: "Eu gostava muito que fosse a minha casa", e disse-me onde morava - uma aldeia aqui perto. Eu respondi-lhe: Quem sabe? Algum dia apareço lá!

E assim, nos despedimos.

Estou a pensar, que em vez de deixar as fotografias no café, vou mas é levar-lhas lá casa. O que é que os  amigos acham?  Acham bem?

 Resumindo e concluindo: 

Não foi por acaso que a Teresinha estaciou "mal" o carro.
Se estivesse bem estacionado a velhinha não ralharia connosco e naturalmente...não teria motivo para nos falar. Não falando, eu não poderia perceber que ela precisava de ajuda.
E por fim, eu não teria "ganho"mais uma linda amiguinha como é a dona. D.

3 comentários:

Fernanda R-Mesquita disse...

Muito bonita esta história, que não é história, mas que nos soa a um encantamento especial porque raras são as vezes que alguém capta e vive estes momentos. beijinho!

Rosa disse...

Olá Viviana.

interessante este seu encontro.
Admiro a Viviana e a sua (natural) capacidade de nas pequenas coisas transforma-las em grandes coisas.
Nos vulgares e invulgares encontros, transformá-los em amizades.

Mas claro! acho muito bem que vá entregar em mãos as fotos da senhora, nada acontece por mero acaso.

Viviana, uma feliz tarde.
Abraços de amizade.



dilita disse...

Querida Viviana

Como eu apreciei a sua atitude! (Durante o jantar contei ao meu marido)
A Senhora idosa até estava um tanto azeda, mas a Viviana com a sua categoria (porque é isso mesmo) transformou-a; fez vir ao de cima a ternura que também nela existia.
Muito bonito - eu parecia que estava a vê-la "a crescer" para poder dar os beijinhos à Viviana. Um encontro mal começado (relativamente) mas finalizado em carinhos.

Depois a sua forma de escrever, faz o resto - mais parece um conto, tem tudo para o ser.
Beijinhos, e bom fim de Domingo.
Dilita