quarta-feira, 8 de abril de 2015

A ausência - um e dois

A ausência - Um

Eu sabia.
Eu sabia que ia ser difícil entrar naquele pátio e não o ver nem o ouvir mais por ali.

Eu pensei nisso na hora em que vi de muito pertinho os homens da "agência," com o auxílio de duas cordas, baixarem o seu corpo dentro daquela caixa de madeira castanha, para uma cova, onde aos poucos, com o correr do tempo o seu corpo se confundirá com a própria terra.

Hoje entrei no pátio e os meus olhos não o viram nem os meus ouvidos o ouviram.

Era tudo silêncio. Nem sequer os meninos romenos com quem ele costumava brincar e jogar, estavam por ali.

E porque haveriam eles de estar ali? O seu bom e paciente amigo Zé foi-se embora e não volta mais.

Até os dois cães com os quais ia á caça, que estavam sempre presos junto ás casotas debaixo da figueira, que davam sempre sinal da presença de alguem que ali entrasse, e que levavam a noite inteira a ladrar e a uivar, desapareceram dali.

Como diria a minha mãe, não sei que fim levaram.

A figueira que ele plantou há dezenas de anos e na qual ele tinha tanto orgulho, lá está carregadinha de figos maduros que ele tanto apreciava mas que este ano não chegou a provar.

Homem simples, antigo pescador da zona de Cascais, vestia roupa simples.

Nunca ma lembro de o ver de fato(terno) mas no dia em que nos fomos despedir dele, acompanhando - o á última morada, estava tão belamente vestido e arranjado que mais parecia um noivo do que alguem que vai baixar á terra. A Maria dele, disse-me que o neto, já homem, com quem sempre viveu e para quem foi sempre um avô e um pai, lhe oferecera o seu mais belo e rico fato para para vestir naquele dia.

E é assim. Aos poucos, os habitantes do pátio estão todos a ir-se embora .

Dos muitos dos quais me lembro, restam apenas três: A Maria, o António e o Chico.

Oxalá Deus permita que se mantenham por muito tempo ainda, por ali.
 
A ausência -2

Hoje, 08/04/015, dou continuidade ao texto acima escrito, e publicado neste espaço há sete anos e meio
 
Só para acrescentar que o páteo, está cada vez mais triste e mais solitário.
 
Eu explico:

Dos três vizinhos que restavam há sete anos e meio atrás, nenhum deles lá está.
A Maria, mulher do falecido Zé, foi para um lar de idosos, nunca mais a vi.

O António, morreu há cerca de 3/4 meses.

E o Chico, por causa do glaucoma ficou cego, sem poder cuidar de si, pois era solteiro e vivia só;
a irmã veio buscá-lo para viver em casa dela  numa aldeia aqui próximo.

O jovem Tiago, neto do Zé, que lhe ofereceu o fato para levar no caixão, emigrou para a Inglaterra, e sei que por lá anda, com muita dificuldade a tentar dar conta da vida.
Antes de partir falei-lhe de Deus, da importância de procurá-lo, de nEle crer, e com Ele contar para todas as lutas e revezes que iria encontrar. Quando lhe perguntei se cria em Deus, respondeu-me: 
"Sim, em Deus eu creio, á igreja é que eu não tenho  vontade de ir". 
 
 Respondi-lhe:

Meu filho,  não  é o mais  importante ir á igreja,  o importante, é a tua relação com Deus e a tua fé nEle. Olha, meu filho: Caminha sempre com Deus ao teu lado, fala com Ele em oração, nunca te esqueças  que Ele é a coisa mais importante da tua vida.

Há muitos anos que oro, que  intercedo junto do Pai, pelo Tiago, acabei de fazê-lo no meu encontro matinal com Deus. Tenho a certeza que ele cuidará do Tiago por onde quer que andar.
Oro também pela Maria, sua avó, mulher do Zé. Com ela, aconteceu uma situação gravíssima, terrível, da qual eu peço a Deus perdão para ela. Foi tão terrível, que não consigo nem quero contar-vos aqui. Toda a aldeia o sabe. Desejo muito, muito, que a Maria já se tenha arrependido e o seu coração esteja preparado para um possível breve, encontro com Deus.
 
Só  mais um pormenor:
 
A minha casa, (que era dos meus pais) o meu jardim com as suas flores, as minhas árvores  carregadas com os seus frutos, e os muitos e diversos passarinhos que por ali andam a gorgear e a cantar as suas belas melodias, e os muitos e bonitos gatos que eu e a minha irmã Teresinha alimentamos e cuidamos, tudo isso, constitui uma benção e  faz do nosso páteo um lugar lindo e muito agradável, apesar das ausências e silêncios.
Dou infinitas graças a Deus por isso.

4 comentários:

Fernanda R-Mesquita disse...

Bom dia Vivisns. Como vai? Gostei deste relato. Tem vida em movimento, mesmo falando de partidas. Pormenores que realizam vidas. A vida de quem parte continua em relatos assim, pois se ha alguem que escreve é porque lembra e da a conhecer a quem lê. Parece uma paisagem no ar este texto. Beijinho grande

Viviana disse...

Olá, Fernanda

Obrigada pela sua visita e pelas suas palavras, que me sensibilizaram, creia.

É, é isso.
Quanto eu sinto a falta daquelas pessoas...
É porque as amava, lhes queria bem.
Mas, como dizia a minha saudosa,mãe:

"Nesta vida tudo muda, tudo passa".

E como disse o poeta:

"Nesta vida tudo passa.
Só a AMOR permanece".

Um abraço e boa continuação de dia
Viviana

Rosa disse...

Olá Viviana.

Histórias de vida, que vão ficando lembranças.


"O que você deixa para trás não e gravado num monumento numa pedra,mas o que é tecido na vida dos outros"


Viviana, tenham uma boa noite.
Abraços

Viviana disse...

Querida Rosa

Sim, são lembranças, tantas lembranças...

Gostei muito do pensamento que aqui deixou:

"O que você deixa para trás não e gravado num monumento numa pedra,mas o que é tecido na vida dos outros"
Pode crer, amiga...

Um abraço e o desejo de uma boa noite de repouso
Viviana