terça-feira, 30 de julho de 2013

Curvo Semedo - O velho, o rapaz e o burro







 

«O mundo ralha de tudo,
Tenha ou não tenha razão,
Vou contar-vos uma história,
Em prova desta asserção.
Partia um velho campónio,
Do seu monte ao povoado,
Levava um neto que tinha
No seu burrinho montado.
Encontra uns homens que dizem
"Olha aquela que tal é!
Montado o rapaz que é forte,
E o velho trôpego a pé".

"Tapemos a boca ao mundo",
disse o velho: "Rapaz,
Desce do burro qu'eu monto,
E vem caminhado atrás".
Monta-se ,mas ouve dizer:
"Que patetice tão rata!
O tamanhão de burrinho
E o pobre pequeno à pata!"
"Eu me apeio!" diz prudente,
o velho de boa fé.
"Vá o burro sem carrego
E vamos ambos a pé!"
Apeiam-se e outros dizem
"Toleirões, calcando lama,
De que lhes serve o burrinho?
Dormem com ele na cama?"
"Rapaz", diz o bom do velho,
Se de irmos a pé murmuram
Ambos montemos no burro
A ver se inda nos censuram".
Montam, mas ouvem de um lado
"apeiem-se almas de breu!
Querem matar o burrinho,

Aposto que não é seu?"
"Vamos ao chão" diz o velho,
que já não sei o que fazer!
O mundo está de tal sorte,
que não se pode entender.
É mau se monto no burro,
Se monta o rapaz, mau é.
Se ambos montamos é mau,
É mau se vamos a pé:
De tudo nos têm ralhado,
Agora que mais nos resta?
Peguemos no burro às costas,
Façamos ainda mais esta!"
Pegam no burro: o bom velho
Pelas mãos o ergue do chão:
Pega-lhe o rapaz nas pernas
E assim caminhando vão.
"Olhem dois loucos varridos!"
Ouvem com grande sussurro.
"Fazendo o mundo às avessas,
tornados burros do burro!"

O velho, então, pára e exclama,
"Do que observo me confundo,
Por mais qu'a gente se mate,
Nunca tapa a boca ao mundo!
Rapaz, vamos com dantes,
Sirvam-nos estas lições!
É mais que tolo quem dá
Ao mundo satisfações"
(Curvo Semedo) 

Algumas notas sobre Curvo Semedo:

Belchior Manuel Curvo Semedo Torres de Sequeira, Nasceu em Montemor - o - Novo,  em 1766 e morreu em Lisboa em 1838.Foi um poeta português e fidalgo da Casa Real.

Foi um dos nomes mais importantes do movimento intitulado Nova Arcádia,  em que usava o nome de Belmiro Transtagano.
Publicou muitos livros, sendo os mais conhecidos os quatro volumes das Composições Poéticas e a tradução defábulas  de Jean de La Fontaine.

1 comentário:

dilita disse...

Olá amiguinha Viviana

Como eu gostei de voltar a ler esta poesia! Obrigada por a ter escolhido e colocado ao meu alcance. A minha mãe sabia-a de cor,que ternura para mim recordar.

(um grande Poeta, e agora quase esquecido)
Bem haja Viviana, pelo seu saber, sensibilidade e bom gosto.
Beijinho, e boa semana
Dilita.