segunda-feira, 30 de junho de 2014

O horto ou, a horta, de Ferreira de Castro

O escritor Ferreira de Castro
O horto ou, a horta, de Ferreira de Castro

No livro - In Memoriam de Ferreira de Castro - uma das muitas preciosidades que constituem a nossa biblioteca cá de casa, encontrei um texto da autoria de Agostinho Gomes, o qual, pela sua beleza e simplicidade, decidi repartir aqui com os amigos.

" Dos animais, falava de igual forma, com particular complacência. Amava-os. Poupáva-os. Protegia-os.
Algumas vezes contava-me histórias de bichos, talvez por saber-me em sincronismo de afeições.
Um dia, foragido da vida tumultuária da cidade, isolara-se a um deslado, num enquadramento de montanha e mar, como porto de refúgio. Para espairecimento de sentidos e companheirismo de dor germinal da terra, dera-lhe para a bucólica de criar um pequeno horto. Revia-se, antecipadamente, no regozijo do verde tenro dos legumes, no alagado ventre das abóboras, na inflorescência de umas rosas, em fímbria de canteiro...
Simplesmente, ainda mal orvalhada a terra pela rega, em marcha lenta, mas intencionada, um batalhão de caracóis, arremetia à plantação deixando a renda filigranada das folhas impotentes para a sobrevida.
Mesmo que empíricos, bem conhecia os meios de extirpação da praga. Meio à flutuação liquida - não - liquida?,  a Bondade ditava-lhe o perdão: a bicharada tinha,  também,  o seu direito de viver! E, então, contratava meninos  (outra maneira de os fazer viver!)  que se azafamavam na apanha,  pagos por exemplar colhido, e os iam  depositar lá ao longe, onde o pasto não minguasse.
Trabalho e intenção baldados: os bichos voltavam ao assédio. E os olhos e a alma ficavam-lhe  baços da frustração deste gozo simples de partejar a terra...
Os bichos, sabêmo-lo, vivem lado a lado do homem, na Obra de Ferreira de Castro. Não raro, a animalidade deste  emparelha, anda à compita, supera o instintivismo daqueles.

(Agostinho Gomes - no livro - In Memorian de Ferreira de Castro - página 159)

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