quarta-feira, 13 de março de 2013

Écloga - Um poema de Miguel Torga



Na ribeira que secou
Bebia o gado que eu tinha;
Quando chegava à noitinha,
A voz das águas chamava,
E o rebanho que pastava
Deixava os tojos e vinha.

Eu próprio molhava as mágoas
Na pureza da nascente;
Metia as mãos docemente
Na limpidez da frescura,
E as caricias da corrente
Davam-me paz e ternura.

O gado, farto, bebia;
E eu deixava-me correr
Naquele suave prazer
Que me levava consigo...
Eu não tinha que fazer,
E o gado tinha pescigo.
´
A noite, então, vinha mansa
Cobrir a lã das ovelhas;
Era um telhado de telhas
Furadas ou embutidas
De luzes muito vermelhas
Por todo o céu repartidas.

E aquela viva irmandade
Do rebanho e do zagal
Era ali tão natural
Que apagava dos sentidos
A saudade do curral
Feita de sono e balidos.
´
Mas a ribeira secou.
Não sei que praga lhe deu
Que no leito onde correu
Há pedras e maldição...
E o meu rebanho morreu
De sede e de mansidão.

Coimbra, 20 de Maio de 1943
´
Miguel Torga
No Livro - Miguel Torga
 Obra Completa

4 comentários:

manuela pacheco disse...

Lindo, mas triste.
Um abraço

Manuela

esperança disse...

Boa noite maninha querida tudo bem?

Mais um poema de Miguel Torga. Este é tão lindo!...Tão do meu gosto…Até á a ribeira que secou, Que pena! Não gosto mesmo nada do último verso, no entanto há ali a leitura que cada um de nós lhe quiser dar, eu tenho a minha. Há tanta coisa que seca! Até a riqueza de um país, e depois…É como o último verso do poeta.

Tem, minha querida, tenhamos todos, uma noite tranquila.

Viviana disse...

Olá, querida Manuela

O poeta era triste...

Muito triste.

Mas tinha uma alma extremamente sensível.
Compreendo-o bem...

um abraço, amiga
Viviana

Viviana disse...

Olá maninha Esperança

Miguel Torga é o meu poeta preferido.
Transmontano de coração...ainda me lembra um pouco o nosso querido pai.

Um beijo
Viviana