quarta-feira, 22 de novembro de 2017

PROVINCIANA - Um poema de Cesário Verde

O Poeta português Cesário Verde.Fonte da imagem: https://pt.wikipedia.
PROVINCIANAS
               I
Olá! Bons dias! Em Março
Que mocetona e que jovem
A terra! Que amor esparso
Corre os trigos, que se movem
Às vagas dum verde garço!

Como amanhece! Que meigas
As horas antes de almoço!
Fartam-se as vacas nas veigas
E um pasto orvalhado e moço
Produz as  novas manteigas.

Toda a paisagem se doura;
Tíbida ainda, que fresca!
Bela mulher, sim senhora
Nesta manhã pitoresca,
Primaveral, criadora!

Bom sol! As sebes d'encosto 
Das madressilvas cheirosas
Que entontecem como um mosto,
Floridas, ás  espinhosas
Subiu-lhes o sangue ao rosto.

Cresce o relevo dos montes,
Como seios ofegantes;
Murmuram como umas fontes
Os rios que dias antes
Bramiam galgando pontes.

E os campo,s milhas e milhas,
Com povos d'espaço a espaço,
Fazem-se ás mil maravilhas;
Dir-se-ia  o mar de sargaço
Glauco, ondulante, com ilhas!

Pois bem. O inverno deixou-nos,
É certo. E os grãos e as sementes
Que ficam doutros outonos
Acordam hoje frementes
Depois de uns poucos de sonos.

 Mas nem tudo são descantes;
Por esses longos caminhos,
entre favais palpitantes,
Há solos bravos,  maninhos,
Que expulsam seus habitantes!

É nesta quadra de amores
Que emigram os jornaleiros,
Ganhões e trabalhadores!
Passam clans de forasteiros
Nas terras de lavradores.

Tal como existem mercados
Ou feiras, semanalmente,
Para comprarmos os gados
Assim há praças de gente
Pelos domingos calados!

Enquanto a ovelha arredonda,
Vão tribos de sete filhos,
Por várzeas que fazem onda,
Para as derregas dos milhos
E molhadelas da monda.

De roda pulam borregos;
Enchem então as cardosas
As moças desses labregos,
Com altas botas barrosas
De se atirarem aos  regos!

Ei-las que vêm ás manadas,
Com caras de sofrimento,
Nas grandes marchas forçadas!
Vêm ao itrabalho, ao sustento,
Com fouces, sachos,  enxadas!

Ai o palheiro das servas
Se o feitor lhe tira as chaves!
Elas chegam ás catervas,
Quando acasalam as aves
E se fecundam as ervas!...

                   II

Ao meio - dia  na cama,
Branca fidalga que julga
Das pequenas  da su 'ama?!
Vivem minadas da pulga,
Negras do tempo e da lama.

Não é caso que comova
Ver suas irmãs de leite,
Quer faça frio, quer chova,
Sem uma mamã que as deite
Na tepidez duma alcova'!

(Cesário Verde . no livro - Cânticos do realismo e outros poemas)

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