quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

Livro de Horas - Um poema de Miguel Torga

O  grande  Poeta e Escritor português  Miguel Torga

Livro de Horas

Aqui, diante de mim,
Eu, pecador, me confesso
De ser assim como sou.
Me confesso o bom e o mau
Que vão ao leme da nau
Nesta deriva em que vou.

Me confesso
Possesso 
De virtudes teologais,
Que são três,
E dos pecados mortais,
Que são sete,
Quando a terra não repete
Que são mais.

Me confesso
O dono das minhas horas.
O das facadas cegas e raivosas,
E o das ternuras lúcidas e mansas.
E de ser de qualquer modo
Andanças
Do mesmo todo.

Me confesso de ser charco
E luar de charco, à mistura.
De ser a corda do arco
Que atira setas acima
E abaixo da minha altura.

Me confesso de ser tudo
Que possa nascer em mim.
De ter raízes no chão
Desta minha condição.
Me confesso de Abel e de Caim.

Me confesso de ser Homem.
De ser um anjo caído
Do tal Céu que Deus governa;
De ser um monstro saído
Do buraco mais fundo da caverna.

Me confesso de ser eu.
Eu, tal e qual como vim
Para dizer que sou eu
Aqui, diante de mim!

Miguel Torga - Em Poesia Completa I

2 comentários:

Rosa disse...

Olá Viviana.
Muito bom este poema.
Miguel Torga sempre a nos surpreender.
Ter o sentido dos nossos "pecados" para os confessar e reconhecer...perfeito



Viviana, uma noite tranquila, ainda com chuva abundante,pelo menos por aqui.


Abraços de amizade.



Viviana disse...

Querida Rosa

É tão rica a poesia de Torga que não nos cansamos de a ler e a sentir.
Um abraço
Viviana