quarta-feira, 15 de outubro de 2008
Uma Ordem de despejo
Os nossos filhos cresceram juntos, num tempo em que a rua dava para jogar á bola, jogar “á macaca”, andar de bicicleta, jogar ás escondidas, correr, saltar, etc. etc., e não estava cheia de carros estacionados como hoje acontece.
Lembro-me, principalmente, do filho mais novo – o Rui - na altura com cinco ou seis anos, de pele muito branca e uma farta cabeleira loura, com o cabelo caído sobre os ombros e uma franja muito certinha a tocar as sobrancelhas. Era mesmo lindo o rapaz.
A família vivia no r/ch direito do prédio que fica mesmo aqui ao lado do meu.
Aparentemente, viviam com algumas dificuldades, mas lá se iam arranjando, até que um certo dia, ao regressarmos do funeral do meu vizinho do r/ch. direito, que morreu de repente, o pai do Rui sentiu-se mal e morreu de repente também... no mesmo dia.
No dia seguinte fui ao funeral dele com uma imensa tristeza, pois pensava: como é que a Dª Rita, que nem emprego tem... – estava em casa a tomar conta dos quatro filhos - iria conseguir viver daí em diante.
Logo, logo, deixaram deixaram de pagar a prestação da casa, que como a minha, era do Fundo de Fomento da Habitação e que segundo o contrato ao fim de vinte e cinco anos, estaria paga e passaria para a posse dos arrendatários.
Entretanto, não sei bem como… a Dª. Rita e o filho mais velho, o Carlos, começaram a trazer para casa, de uma firma, calças de homem para cozer; portanto passaram a fazer trabalho de alfaiate.
Fizeram isso durante muito tempo, e eu lembro-me de ver o Carlos apanhar o autocarro comigo, com um monte de calças prontas a entregar, muito direitinhas dobradas no braço esquerdo tapadas com uma toalha branca.
Entretanto a Fernanda, a filha de 14 anos, namorava um rapazito da rua de trás…e ficou grávida; nasceu o Márinho, que a avó criou.
Passado algum tempo a Fernanda teve outro menino - o Tiago – e depois nasceu o Fábio e depois nasceu a Sara, cada um de um pai diferente.
E todos foram criados pela avó Rita que continuava a cuidar daquela gente toda e a costurar montes de calças, para sobreviver.
Um dia, um triste dia… o Carlos, o filho mais velho, ficou muito doente e morreu. Tinha apenas vinte e poucos anos.
E a Dª Rita continuou sózinha a coser calças, muitas calças, suportando e aguentando tudo isto, firme.
Entretanto, o Rui, o menino lindo da franja sobre os olhos, começou a andar com más companhias e começou a fazer roubos. Foi preso, foi muitas vezes preso.
O outro filho a seguir ao Rui, perdeu-se de amores por a jovem filha do proprietário de um carroussel, que andava de terra em terra pelas feiras. A mãe perdeu-lhe a pista, desapareceu. Não faço ideia se alguma vez voltou.Eu nunca mais o vi até hoje.
O neto Tiago, que tem menos dois anos que o meu Zé, foi desde bem pequenino visita da nossa casa; comia muitas vezes á nossa mesa e participava das orações de acção de graças. Foi tambem com o Zé a acampamentos Evangélicos e ao culto; e com o meu Zé jogou futebol das "Escolinhas"; quantas vezes eu os fui ver jogar nos vários campos aqui á volta de Sintra. O Tiagão (era assim que lhe chamavam)era muito bom a jogar futebol. Bem pequenito,quando ele levava a bola nos pés toda a gente gritava: Vai Tiagão, força, leva-a para a baliza! Eu própria gritei muitas vezes. Depois das "Escolinhas" ele ainda foi jogar nos Infantís de Mira - Sintra e depois já mais crescido no Estrela da Amadora. Depois, creio que deixou de jogar e foi pena, porque ele tinha muitas chances de vir a ser um bom jogador de futebol.
Eu afeiçoei-me de tal maneira ao miudo que se criou uma linda amizade entre nós e quando ele vem a Mira - Sintra, aí uma vez por ano, eu tenho imensa alegrir em falar com ele e abraçá-lo.
Há uns anos a esta parte, os filhos e os netos,da Dª Rita, já crescidos, começaram a ir um a um, trabalhar para Inglaterra. Foram todos. A Fernanda foi a última a ir.
A mãe, ficou cá sózinha, cansada e doente… muito, muito doente.
Estava constantemente a ser levada de urgência para o Hospital com falta de ar e problemas renais. Frágil muito frágil, mal conseguia caminhar.
Depois, deixei de a ver e reparei que a casa estava sempre fechada.
Então alguém me disse que ela tinha ido ter com os filhos e os netos á Inglaterra porque não tinha condições para viver aqui sózinha, pois por várias vezes provocou pequenos incêndios na cozinha,que assustaram bastante todos os moradores do prèdio.
Mas ela foi com a condição de voltar, ela queria voltar para a sua casa e acabar os seus dias por aqui.
E eu, a passar todos os dias por a casa dela; tenho que passar, é ao lado... e sempre a pensar a mesma coisa:
Como é que estará a Dª Rita; quando é que eu a vou voltar a ver… dava-me uma tamanha tristeza ver sempre tudo fechado... depois de tantos, tantos anos de vida a fervilhar por ali, com a casa cheia de gente.
Como eu gostava de voltar a ver a Dª Rita ali á Janela estender a roupa ou a chamar por os netos como antigamente.
Pois bem, hoje de manhã acordei muito feliz, alegre, a cantar um hino de louvor a Deus.
Como faço sempre quando acordo, abri a janela, olhei para o céu azul e sorrindo, saudei o meu Deus e Senhor, e agradeci-lhe a noite de descanso, o novo dia que me deu… e supliquei que ficasse comigo todo o dia e acompanhasse e protegesse os meus filhos e netos e, família, e irmãos em Cristo e amigos, e dei-lhe muitas graças por o seu Filho Jesus, ter morrido em meu lugar na cruz do Calvário.
Desviei os olhos do céu, olhei para a rua onde ouvi pessoas a falar, e vejo á porta do prédio do lado, dois carros da polícia, vários agentes, da Polícia de Segurança Pública e da Polícia Municipal, reparo que vão chegando carros, vários carros da Câmara de Sintra, e fiquei preocupada, pois pensei que tinha acontecido alguma desgraça.
Estava entretanto á espera da minha irmã, para irmos a Maceira cuidar do Jardim e da casa da mãe.
Quando ela chegou eu desci e fui espreitar á porta do prédio do lado para saber o que estava a acontecer por lá. È então que estupefacta e incrédula… me apercebo que está a ter lugar uma ordem de despejo da casa da Dª Rita.
Vejo arrombar a porta e entrarem os polícias e aquela gente toda lá para dentro, abrir as janelas e começar a carregar duas camionetas com tudo o que havia na casa da Dª Rita.
Eu não queria acreditar mas era verdade.
Como há tantos anos não pagavam a renda e já tinham vindo ali bater á porta dezenas de vezes e nunca estava ninguem... não havia outra alternativa, a casa da Dª Rita estava a ser despejada.
Olho e reconheço os móveis da sala. e as coisas pessoais dela,…os seus bibelots , etc. Levaram tudo: roupa que estava nas gavetas, móveis, louças, tachos e panelas, até o oleo de fritar que acabaram entornando nas escadas e no passeio,fotografias antigas e todas as recordações de uma vida.
Tudo quanto ela tinha se foi. E ela lá tão longe na Inglaterra sem poder reclamar , sem poder fazer nada.
Tudo foi levado para um depósito da Câmara Municipal de Sintra.
Entretanto quando eu ia entrar no carro, um jovem chama-me e pergunta-me o que está a acontecer. Era o Nuno, um jovem do prédio em frente, que também ele cresceu e brincou com o Rui, os irmãos e os meus filhos.
Quando se apercebe da realidade, diz-me: “Vou ligar para o Márinho (neto da D.ª Rita) para Inglaterra, para o informar do que está a acontecer. Eu disse: liga, Nuno, liga.
Já ia no carro quando me lembrei que deveria ter dito ao Nuno para dizer ao Márinho, que poupasse a avó e nãolhe dissesse nada do ocorrido, pois poderá ser-lhe fatal a notícia.
Soube depois, mais tarde, por uma vizinha da Dª Rita, que ela está tão doente que o médico lhe disse que ela não tem condições para aguentar a viagem de avião até Portugal.
Que triste fiquei! Quer isso dizer que “as coisas da Dª Rita", de toda uma vida…ficarão para sempre longe do seu alcance.
Possivelmente, ninguém as virá resgatar e serão provavelmente deitadas no lixo, ao fim de um certo tempo de armazenamento.
Todo o dia andei a pensar nisto e apoderou-se-me de mim uma tristeza imensa da qual ainda não recuperei.
Triste, muito triste, esta historia de vida de uma mulher, mãe de família,que tanto lutou e trabalhou e ao fim e ao cabo só teve dissabores e sofrimemto, tanto sofrimento!
20 comentários:
...tem gente que sofre tanto na vida que até nos constrange o coração !
beijos pra vc
Quando algo que gostamos acaba ou simplesmente vai embora lembremo-nos que as folhas do Outono não caem porque querem, mas porque é chegada a hora!
Ai amiga Viviana há gente que leva uma verdadeira vida de sofrimento ah...
Que Deus possa abençoar esta familia.
Beijinhos perfumados.
Fique bem. Fique com Deus.
Anita (amor fraternal)
Olá querida Alice,
È isso aí amiga.
Apetece perguntar:
Como?
Porquê?
tenha um lindo dia
Um beijo
Viviana
Olá querida Ana Maria,
Mas que lindo este verso que deixou!
Está muito bem comparado! Sim Senhora!
Quanto á triste história da Dª Rita... dá mesmo que pensar!
Como é que pode ser?
Mas é.
Um beijo, amiga linda tenha um bom dia.
Viviana
Pergunto pra mim mesma.
O porque de pessoas que sofrem tanto?
Só Deus para me dar resposta.
Fiquei triste com essa história,sei que há muitas ainda que nem saberemos,mas é revoltante.
Otima tarde amiga.
beijooo.
Olá Ana linda,
A vida tem destas coias.
E como muio bem diz... Só mesmo Deus é que sabe porque é que tem que ser assim.
Há muitas coisas que só saberemos depois.
Tenha um lindo dia
Um beijo, amiga linda
Viviana
O lado bom desta história é que eles a levaram para junto deles para cuidarem dela; não a abandonaram doente à sua própria sorte...
Se pudesse, só iria buscar as fotos de família e mandaria por correio, antes que sejam totalmente perdidas...
História triste... Falta Deus nela
Bjs
A sua vida pode acabar daqui a um segundo. Por isso é tão importante que você, apesar de tudo, de qualquer situação, perda ou problema, lute todos os dias pela sua felicidade
abraços
Olá querida Carmen,
Sim, tem razão.
O melhor mesmo é que ela está junto deles.
Recordo que no últimos tempos que ela esteve cá, ela frequentava a "Igreja do Reino de Deus", mas anteriormente a isso não tenho ideia de ela ir a quaquer Igreja.
Tenha uma boa noite, amiga linda
Um abraço
Viviana
Olá Dctorxix
Agradeço a sua visita e o seu comentário.
È na verdade como diz.
A qualquer instante podemos partir para a eternidade.
Eu estou bem consciente disso.
Estou preparada para esse momento.
Mas, gosto muito de viver e saborear a vida.
Tenha uma boa noite
Um abraço
Viviana
Nossa Viviana...que história triste...Estou com pena dessa Srª.
Mas a filha hein...nenhum juizo...a ter filhos com uns e outros...Valha-me Deus.
Sabe que por muito tempo fiquei a me lamentar por problemas de meus familiares, principalmente irmãos...Mas, de um tempo pra cá parei de preocupar-me tanto, pois já tenho os meus problemas, que não são poucos...Qualquer dia te conto minha história,...
Um grande beijo, com carinho e desejo de conforto.
Olá Lia linda,
Sabe, eu acho que vou precisar de um tempo para me recompôr desta tristeza.
Mas eu sei que eu vou conseguir"
Com a ajuda e consolo do nosso bom Deus... eu vou me recompôr, sim.
Quanto á sua história, amiga linda,
se entender que deseja partilhá-la comigo, estou aqui, terei muito gosto.
Tenha uma boa noite
Um beijo
Viviana
Viviana, uma história de vida com final pouco feliz.
Esperamos que a D. Rita não fique a saber dessa perda.
Porque independentemente do numero das assoalhadas, da quantidade de janelas, da cor com que é pintada, se tem ou não piscina... a casa é o nosso ninho, o nosso refugio.
Que o Senhor a recompense de outras formas.
E pensando em tantas outras D.Ritas lembrei mais uma frase bíblica
quando o Senhor disse a Abraão:
"Deixa a tua terra e a tua família, o teu povo, e vai para a terra onde eu te levar".
Que onde ela estiver tenha encontrado alguma merecida tranquilidade e paz.
Viviana, para si uma muito boa noite.
Beijos
Olá Viviana,há que se pensar que,realmente as coisas materiais não nos têm nenhuma serventia...O que importa,de verdade,são os gestos de carinho que a família teve em cuidar dela e as atitudes que tomamos ante os sofrimentos alheios,como a preocupação que você demonstrou.Deus a abençoe,beijos,Sonia Regina.
Viviana, minha querida amiga!
Que história mais triste, esta que nos contou...Realmente, não posso me queixar da minha vida...
Embora eu seja uma pessoa bem desligada das coisas materiais, acho que ninguém senão os donos têm o direito de deitá-las fora! Muito triste isto que fizeram com esta senhora sua vizinha...
E como voce mesma falou, hoje não entendemos bem , mas um dia saberemos a razão de todas as coisas.
Fica bem, linda!
Um beijo no seu coração!
Neli
Olá querida Rosa,
"Porque independentemente do número das assoalhadas, do número de janela, da côr com que é pintada, se tem ou não piscina... a casa é o nosso refúgio, o nosso ninho."
Mas que definição tão linda de casa, Rosa!
Gostei tanto!
Um beijo amiga
Um dia lindo para si
Viviana
Olá querida Sónia,
Sim, o que conta mesmo são os afectos, o amor e o carinho.
Eu creio que a Dª Rita estará bem estimada junto dos filhos e netos.
Que bom!
Tenha um lindo dia, amiga linda
Um beijo
Viviana
Olá querida Neli,
Eu tambem sou desprendida das coisas materiais.
Não ando a correr atrás delas!
Eu procuro construir outro tipo de riqueza, a riqueza espiritual!
Essas riqueazs são as que verdadeiramente contam.
Tenha uma óptima quinta - feira..
Um beijo
viviana
Parece que pela Lei fotos de família não podem ser penhoradas, eles podiam tentar resgatar pelo menos isso.
Olá querida Bete,
A Carmen tsmbem sugeriu tentar resgatar as fotos e ver da possibilidade de as fazer chegar por carta, á Dª Rita.
Tenho estado a pensar sobre o assunto e a ver o que eu posso fazer.
Gostava muito de poder útil de alguma forma.
Um beijo, amiga linda
viviana
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